segunda-feira, 17 de maio de 2010

Entrevista de Lars Grael para o site IG


"Paixão é mais importante que prêmio", diz Grael

Lars Grael, medalhista olímpico que teve perna amputada, faz paralelo entre superação no esporte e no mundo dos negócios

Sabrina Lorenzi, iG Rio de Janeiro 17/05/2010 05:10

Entre um campeonato e outro, uma regata e um treino, o medalhista olímpico Lars Grael orienta empresários. Bronze em Seul (1988) e Atlanta (1996), ele dá lições de empreendedorismo sem nunca ter estudado administração de empresas. Mais do que teoria, o velejador aprendeu a prática de superar desafios. Aos 46 anos, 11 depois do acidente que lhe custou a perna direita e mudou sua vida, o atleta continua buscando perfeição no que faz. A adaptação de sua trajetória ao mundo dos negócios é procurada por quem quer crescer mesmo diante de adversidades. Afinal, o “empresário brasileiro é constantemente chamado a superar limites”, diz o esportista, que venceu o drama pessoal e continuou a velejar e a vencer competições. Em entrevista ao iG, Lars Grael conta quando, como e por que resolveu dar a volta por cima. “Sei que sirvo como referência.


iG: Por que os empresários chamam o senhor para dar palestras sobre negócios?

Lars Grael: Talvez porque eu seja um medalhista olímpico que viveu a adversidade de um acidente grave, mas que não pôs fim a minha carreira esportiva. Contrariando a lógica, eu voltei a velejar, a competir e a conquistar títulos. O aspecto da superação, da volta por cima, cria vários paralelos com a vida empresarial. Também ajuda nessa experiência o fato de ter sido gestor público, como secretário nacional e estadual de esportes de São Paulo.
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iG: Que paralelos podem ser estabelecidos entre competições esportivas e o mundo dos negócios?
Grael: Ser esportista ou empresário requer sempre a definição clara da sua missão, requer necessariamente planejamento, definição e adequação de metas e resultados, caso não sejam atingidos. Requer preparação, treinamento e logística. E o mercado empresarial e capitalista é extremamente competitivo. Ser competitivo respeitando regras, tendo disciplina, perseverança, organizando normas e método são valores comuns tanto a um grande projeto esportivo como a um projeto empresarial vencedor.
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iG: O tema de uma de suas palestras é sobre como superar limites. Isso se aplica a qualquer empresa?
Grael: Eu tento fazer a adaptação da minha trajetória como cidadão, atleta olímpico e velejador com a realidade daquele empresário que procura me ouvir, que é a busca da superação, de perceber os limites, a busca por ultrapassar obstáculos e adversidades. O empresário brasileiro é constantemente chamado a superar limites. Seja por metas ou de um país que viveu por muito tempo uma instabilidade econômica muito grande.
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iG: Para alguns empreendedores o senhor fala da necessidade de treinamento dobrado quando se tem mais dificuldade que um adversário.
Grael: O treinamento é fundamental. A pessoa pode nascer com talento, dom, aptidão, pode ter base de suporte técnico, científico, mas só o treinamento nos permite, por meio da repetição, ter o aprimoramento. Passamos a avaliar e reduzir riscos, a minimizar erros e aumentar acertos com a prática da repetição. Na minha trajetória, deparei-me com adversários velejadores que eu sentia que poderiam até ter uma aptidão maior que a minha, mas a persistência em treinar e treinar e treinar nos permite ter uma intimidade com a atividade e então passamos a ter domínio sobre ela. Com o domínio atingimos a superação.
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iG: O senhor dominar a atividade. Continua treinando muito?
Grael: Hoje foi o dia de preparação do barco. Mas, nos últimos onze dias, velejei em nove, quatro horas por dia. É muito exaustivo, mas fundamental. Mesmo tendo 45 anos de idade, e bastante conhecimento, cada velejada é uma forma de adquirir conhecimento. Ainda erro. Erros acontecem.
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iG: Qual o principal conselho que o senhor costuma dar aos empresários?
Grael: Ter clareza do que se quer ser na vida. Se você quer ser empresário do setor do comércio ou da indústria, da prestação de serviços, tem de ter clareza do seu objetivo. Embora possa parecer inviável, se você tem essa clareza e se envolve, se tem a vontade e busca o conhecimento, com treinamento, afinco, dedicação, vai alcançar o seu objetivo. Se tem um sonho, persiga o sonho, não o abandone.
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iG: Nem que o sonho seja quase impossível?
Grael: Tem de buscar formas de viabilizar essa utopia, convertê-la em sonho e sonho em realidade. Outro ponto fundamental é a paixão. Quando a pessoa bota coração naquilo que faz, bota intensidade, dedica-se por inteiro, isso move a gente. Se tivesse feito tudo isso só pelo dinheiro ou pela vontade de ganhar notoriedade, talvez eu não tivesse atingido meu objetivo. Paixão é mais importante do que o prêmio, do que a recompensa, do que a notoriedade.
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iG: Saber a direção dos ventos também pode ser uma tarefa comum entre o esporte da vela e os negócios?
Grael: Seguramente. No mundo dos negócios você pode controlar a gestão da sua empresa, mas muitas vezes não controla o mercado, a economia internacional, uma depressão econômica, uma crise imobiliária ou uma quebra de safra por problemas meteorológicos. Somos obrigados a conviver com variáveis não controláveis. Temos de ter capacidade de improviso, de bom senso, de definição de uma estratégia de mudança, que requer rápida mudança. Esse discurso fecha como uma luva para quem está no meio empresário.
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iG: Como foi o início de sua carreira?
Grael: Meu pai era servidor público federal, tinha dificuldades em nos dar apoio para que praticássemos a vela. Mas nós tínhamos uma herança de conhecimento que vinha do nosso lado materno e estávamos buscando oportunidades. Meu avô era dinamarquês e na Dinamarca o esporte da vela é tão popular e óbvio quanto o futebol no Brasil. Desde a época dos vikings, o mar sempre foi fonte de conquistas e de sobrevivência.
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iG: Que adversidades o senhor enfrentou?
Grael: Eu praticava um esporte rotulado como de elite, que no Brasil tinha pouco reconhecimento. Este rótulo de elite não resulta apenas do fato de termos de adquirir um barco para velejar e isso parecer ser caro e inviável. Ele se dá pela falta de cultura náutica do povo brasileiro. O Brasil tem grande concentração demográfica junto ao litoral. A população admira o mar e as praias, mas tem medo de navegar. É um país que procurou fazer um modelo de transportes totalmente rodoviário tendo hidrovias naturais totalmente subutilizadas. No hemisfério norte, o modelo de transporte tem um terço rodoviário, um terço ferroviário e outro terço hidroviário. O Brasil hoje aproveita menos de 5% da sua capacidade, o que mostra que temos uma cultura náutica muito atrofiada. O mesmo vale para o esporte da vela.
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iG: Sua carreira foi afetada ao ser atropelado por uma lancha no mar. Como foi o acidente?
Grael: Aconteceu em 6 de setembro de 1998, durante a semana de vela em Vitória. Estávamos na fase preparatória, quando, antes da largada, uma lancha desgovernada passou por cima do meu barco e a hélice decepou a minha perna no ato.
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iG: Houve algum momento marcante na superação do acidente?
Grael: Fiquei desesperado. Nunca imaginei que pudesse acontecer comigo um acidente que me tornaria um deficiente, um aleijado, como eu me julgava naquele momento. Eu não tinha a referência, eu buscava referência, além da minha família e dos meus amigos. O ‘clic’ foi quando uma enfermeira entrou no leito da UTI e me deu um depoimento de incentivo muito grande. Eu, muito cético, disse pra ela: “Olha, você fala isso porque não é com você”. Ela respondeu: “Quem disse que não?”, me mostrando que tinha uma perna mecânica. Era uma mulher tão alegre, tão feliz, tão realizada. Teve amputação por questão médica na adolescência e mesmo a partir dali ela estudou, formou-se em enfermagem, que era o sonho da vida dela, casou-se, teve filhos. Ela pratica o paraquedismo, que não é um esporte qualquer. O exemplo daquela mulher, profissionalmente bem-sucedida (diretora de plantão de enfermagem de um hospital importante) foi muito impactante. Foi ali que percebi que eu podia ser feliz apesar daquela grande adversidade.
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iG: Quanto isso ocorreu?
Grael: Três semanas após o acidente. A partir do caso dela fui buscando vários outros casos de pessoas que sofreram o que eu sofri e conseguiram ser bem-sucedidas, no aspecto profissional e familiar. Encheram-me da referência que eu precisava. O que me motiva muito a fazer palestras é o fato de poder compartilhar a experiência que eu tive na vida. Sei que sirvo como referência. Não é só uma vida de glórias e vitórias. Houve derrotas, momentos de desânimo, vontade de superar. Acumulei experiência que vale à pena ser relatada.
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iG: O senhor perdoou a pessoa responsável por isso?
Grael: O perdão caberia à Justiça. Ela foi condenada na instância cível e criminal por unanimidade, mas no país onde a impunidade reina, nada aconteceu. A sentença (prestação de serviços à comunidade) foi convertida em cestas básicas. Eu tinha esperança que este caso não terminasse impune, mas houve condenação técnica e não justiça de fato. Mas não é algo que me traga revolta porque nada do que poderia acontecer com o causador do acidente devolveria o que eu perdi. Então é um assunto que eu preferiria não valorizar.
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iG: Depois do acidente, o senhor participou de projetos públicos e sociais ...
Grael: Quando estive na Secretaria Nacional de Esportes desenvolvi uma ONG que é o Projeto Grael, em Niterói, onde já atendemos mais de nove mil jovens com iniciação esportiva na vela, na natação, na canoagem e no ensino técnico profissionalizante. É uma forma de ensinar levando conhecimento e gerando oportunidades para que outras pessoas possam fazer o mesmo. Hoje, quando vejo campeões de vela que foram alunos lá do projeto, de comunidades carentes, sinto que isso é o melhor que posso fazer para deselitizar um esporte que foi tão intensamente rotulado como esporte de elite.
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iG: A vocação para administração pública e projetos sociais continuam?
Grael: Conheci muito do Brasil e do estado de São Paulo na gestão pública. Foi gratificante, muito importante. Desenvolvi projetos que ainda estão aí. Sempre tive noção da transitoriedade de ocupar cargos públicos. Não queria me perpetuar nesses cargos, a não ser que desejasse ser um político. Talvez no futuro eu tenha interesse em ocupar um cargo desses, mas não é o que busco.
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iG: Que lições o senhor tirou de tudo isso?
Grael: Que viver vale a pena e que de nossos sonhos não devemos abrir mão. Eu vivi muito próximo da morte, 11 anos atrás, e aprendi a dar um valor à vida tão grande que tenho isso com muita clareza hoje.

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