quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"Liderança comunitária pode ser aprendida", diz Marcos Kisil a Mobilizadores

O presente texto teve autorização expressa do autor para publicação aqui no Blog. Somos muito gratos ao Marcos Kisil e parabenizamos a excelente qualidade do presente texto, assim como outras contribuições que tem dado atraves do IDIS ao desenvolvimento do Terceiro Setor brasileiro.

Axel Grael
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LIDERANÇA COMUNITÁRIA PODE SER APRENDIDA


27/9/2010 – Site IDIS (http://www.idis.org.br/)

"A liderança é resultado de um misto de potencial genético e de processos de aprendizagem." Quem diz isso é o fundador e diretor-presidente do IDIS, Dr. Marcos Kisil, em entrevista concedida ao portal dos mobilizadores do Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP). Segundo ele, a liderança tanto pode ser ensinada como ser aprendida. "Porém, depende muito do desejo de cada indivíduo em exercitar seu autoconhecimento para estimular ou reprimir certas atitudes, melhor conhecer seus possíveis liderados, e saber a circunstância de exercício da liderança."


Presente em 1.106 municípios, a rede de mobilizadores COEP reúne pessoas que atuam ou desejam atuar na área social, no Brasil e no exterior. Confira, abaixo, a reprodução da entrevista. A versão original pode ser lida clicando aqui.

Quais as principais características que uma liderança comunitária deve ter?
Entendemos a liderança comunitária como o conjunto de líderes que atuam numa comunidade específica, buscando articular o desenvolvimento de seus componentes econômico, social, ambiental e cultural de maneira integrada. Essa liderança deve buscar compromisso com o bem estar da comunidade através da escuta, da reflexão, da ação, ter humildade para avaliar as suas decisões e corrigir os seus erros. Em poucas palavras: servir à comunidade e seus cidadãos.

O líder nasce pronto ou a liderança pode ser ensinada e aprendida? Caso possa ser ensinada, como e onde isso pode ser feito?
Existem certos traços de liderança que hoje sabemos que resultam de certo potencial genético, porém, esses traços terão ou não significado dependendo de serem adequadamente estimulados. E isto pode resultar de um processo de aprendizagem. Da mesma maneira, certos traços que são desfavoráveis para o exercício da liderança podem ser conhecidos e administrados para que não prejudiquem o exercício da liderança. E isto também pode ser parte de um processo de aprendizagem. Assim, a liderança pode ser ensinada, e pode ser aprendida. Porém, depende muito do desejo de cada indivíduo em exercitar seu autoconhecimento para estimular ou reprimir certas atitudes, melhor conhecer seus possíveis liderados, e saber a circunstância de exercício da liderança. Assim pode desenvolver, através do conhecimento, as habilidades e atitudes que necessita, bem como procurar evitá-las se lhes forem prejudiciais.

O que é e por que o IDIS criou o conceito de liderança servidora?
Na verdade, o conceito de liderança servidora foi definido por Robert Greenleaf como uma filosofia e uma prática de liderança e, a seguir, outros autores claramente se posicionaram na mesma direção como Ken Blanchard, Stephen Covey, Peter Senge, Max DePree, entre outros. A ideia central é que o líder tem a intenção de servir alguém com sua capacidade, tirocínio, relacionamento. Ser líder é uma conseqüência. O líder servidor busca atuar com os outros em harmonia, com sabedoria, humildade, coerência e, acima de tudo, auto-motivação para não desanimar diante dos inúmeros obstáculos que encontrar no dia a dia.

Em resumo o líder servidor é aquele que:
. tem mente aberta para quebrar paradigmas;
. sabe conquistar a confiança de todos os seus colaboradores, diretos e indiretos;
. serve aos seus comandados;
. assume a responsabilidade do grupo;
. é positivamente sensível para engajar toda a equipe nos mais diferentes desafios;
. não se esconde quando a “bomba” está prestes a explodir. Pelo contrário, é o primeiro a tomar atitudes cabíveis;
. se fortalece cada vez que um problema/desafio é superado;
. sabe cobrar dos seus pares com inteligência e dinamismo;
. desenvolve um dom especial de inspirar toda a equipe para enfrentar os mais variados obstáculos.

Como identificar potenciais líderes numa comunidade?
Em geral, não existem maiores dificuldades em encontrar quem são os líderes de uma comunidade. Pessoas e entidades locais rapidamente ajudam a identificar quem é quem nas decisões que afetam a comunidade, seja no setor público, privado ou nas organizações da sociedade civil. A questão é encontrar quais os líderes que se identificam com uma liderança servidora. Identificá-los necessita de um período de observação, conhecer fatos relevantes que cercam decisões tomadas por esses líderes, a apreciação feita por pares e por subordinados. Para um observador treinado é sempre possível essa identificação. Alguns traços de comportamento ajudam a identificar líderes locais ou aqueles que potencialmente poderão a vir a sê-lo. Entre essas características ou traços estão:
• necessidade íntima de conseguir pessoalmente transformar uma realidade;
• necessidade de alcançar determinado poder para estar em condições de realizar a transformação identificada;
• possuir habilidades para relações interpessoais, a fim de conseguir liderar pessoas, grupos, e estabelecer as necessárias parcerias estratégicas com outros líderes;
• possuir habilidades cognitivas para identificar situações que necessitam ser transformadas, como buscar conhecer fatores determinantes de situações, avaliar possíveis soluções e estratégias para implantá-las, buscar adeptos ou seguidores e organizar o trabalho a ser feito;
• ter autoconfiança, que deve se refletir em: uma crença pessoal em valores; conhecimentos e habilidades adquiridos; saber lidar com situações e pessoas. Talvez esse seja o traço comportamental determinante da liderança, já que os seguidores aceitam ser liderados especialmente em situações em que não estão confiantes e, por isso, necessitam de suporte externo para guiar suas ações;
• exercitar permanentemente um comportamento ético em relação às causas que defende, às soluções que propõe, aos seguidores que lidera, aos outros líderes com quem estabelece relações e às organizações às quais se afilia.

Como em geral as comunidades percebem os líderes?
As pessoas tendem a considerar que os líderes devem ser pessoas hierarquicamente em condição de superioridade, que dita ordens. Muitas vezes, essa imagem equivocada chega até as organizações comunitárias, fazendo crer que os líderes devem sempre impor seu ponto de vista. O problema é que esses “líderes” assumem posições individuais sobre as reais necessidades da comunidade, atuando somente com base em sua informação e poder, tendo dificuldade de articular apoio ou de estabelecer uma coalizão de interesses. Como conseqüência, além de não saberem utilizar a posição que ocupam, ao sentirem dificuldades em “mandar”, recolhem-se à segurança do isolamento em suas organizações. Eles colocam seu orgulho e vaidade acima dos interesses coletivos. E por isso são “líderes” que não conseguem perceber que o poder é inerente ao posto que ocupam; não propriamente à sua pessoa. O líder não é aquele que tem “o poder”, mas quem tem o poder de agir a serviço do desenvolvimento sustentável da comunidade.”

O que é fundamental considerar na formação de lideranças comunitárias? Que aspectos devem ser observados e que pontos devem trabalhados?
No atual momento de necessidades da sociedade, especialmente quando se identifica grupos humanos ainda despojados de seus direitos mínimos, com dificuldades de se sentirem cidadãos, torna-se evidente a necessidade de se sentirem apoiados por um líder que esteja a serviço de suas necessidades.

Qual a importância de uma liderança para a promoção do desenvolvimento comunitário?
Essencial porque o caminho para o desenvolvimento comunitário exige ser visionário, estrategista, inspirador, gerenciador, negociador, facilitador de relacionamentos, formador de equipes de trabalho, analista de situações facilitadoras ou inibidoras do desenvolvimento. Essas funções são as funções de um líder servidor.
Talvez o melhor exemplo de nossa geração tenha sido a Dra. Zilda Arns e o magnífico trabalho à frente da Pastoral da Criança, e sua capilaridade em distintas comunidades do Brasil e do mundo.

Nos casos em que as comunidades já possuem lideranças, o que é possível fazer para fortalecê-las?
Auxiliá-las em seu desenvolvimento pessoal, institucional e comunitário.

Como um líder comunitário pode estimular o surgimento de novas lideranças entre os jovens da comunidade? O que deve fazer?
Pelo exemplo, e pela paciência em ser um “coach” [técnico ou treinador numa tradução do inglês] para novas lideranças. [O “coach” atua encorajando e/ou motivando, visando à satisfação de objetivos definidos por consenso].

Numa comunidade deve haver várias lideranças? Por quê?
Diversidade de questões e áreas de interesse para o desenvolvimento comunitário exige diferentes áreas de conhecimento e prática. Diversidade de liderança é uma absoluta necessidade.

Como propiciar o surgimento e a aceitação de novos líderes em comunidades onde há uma única liderança muito forte?
A ideia de que uma comunidade tenha uma só liderança muito forte não é uma realidade em nossa experiência, a menos que estejamos diante de um regime autoritário ou diante de pessoas com traços autocráticos de uso da força para seus eventuais benefícios. Em geral, embora um líder possa se destacar, numa democracia existem diferentes fontes de poder formal, e também de poder real, onde o líder é naturalmente aceito para liderar um grupo de pessoas. A capacitação e a aprendizagem fazem com que aflorem novos líderes de maneira regular para a comunidade.

Como a formação de redes pode auxiliar no desenvolvimento comunitário?
A formação de uma rede de pessoas e entidades de uma comunidade é um instrumento poderoso de participação na governança dos destinos de uma comunidade. Para tanto, deve ser adequadamente formada para representar diferentes grupos que se dispõem a encontrar o caminho do possível e consensual sobre prioridades e estratégias de enfrentamento das necessidades identificadas.
A ideia de rede pressupõe um trabalho de grupo que deve se transformar em trabalho de equipe de caráter horizontal e sem hierarquia entre os participantes. Isto leva tempo e necessita de formação sobre o que representa uma rede e como fazê-la operativa para benefício da comunidade. Também exige uma liderança facilitadora de relacionamento e de confiança entre os participantes.

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