domingo, 16 de fevereiro de 2014

Poluição na Baía de Guanabara é um desafio olímpico



De frente para o Pão de Açúcar, grupo de remadores numa canoa havaiana corta uma extensa ilha de lixo e espuma: pequenas embarcações usadas no esporte já encalharam em meio a detritos na Baía de Guanabara Marcelo Piu / Agência O Globo.

Autoridades correm contra o tempo para prepará-la para competições da Rio 2016

Ludmilla de Lima

RIO - As canoas havaianas se lançam ao mar na Urca antes de o sol nascer por trás do Morro do Morcego, em Niterói. Na reta do Forte da Laje, os adeptos da modalidade remam nas águas calmas, pontilhadas por navios e protegidas por fortalezas. Seria o casamento perfeito entre o esporte e um cenário idílico se, a cada remada, as canoas não precisassem cortar ilhas de lixo flutuante e uma espuma amarelada e borbulhante, resultado da proliferação de algas com ajuda do esgoto. Diante de tantos obstáculos, se exercitar na Baía de Guanabara, seja de canoa, caiaque, vela ou stand up paddle, ganha dimensão olímpica.

A pouco mais de dois anos dos Jogos, o desafio de despoluir em 80% a baía, onde acontecerão as competições de vela, parece hercúleo. Afinal, ela recebe ainda 60% de todo o esgoto produzido à sua volta — ou seis mil litros por segundo — e toneladas de lixo diariamente. Hoje, esportistas travam uma disputa contra a sujeira. Numa manhã de janeiro, três caiaqueiros — Bruno Fitaroni, Bruno Carelli e Rafael Cajá — deslizavam pelo espelho d’água quando, perto do Porto do Rio, se depararam com um mar de tom incomum, alaranjado, que destoava do resto da baía.

Remando em volta da Ilha da Pombeba, que seria uma pequena joia de praias de areia branca se não fosse o lixo, que ocupa até a copa das árvores, os caiaqueiros simplesmente não conseguiam enxergar o remo sob a água, de tão opaca e cinza que era. O número incontável de pneus de todos os tamanhos boiando em volta da ilha espanta quem é remador de primeira viagem.

À medida que se vai remando em direção ao fundo da Baía de Guanabara, mais chocante é a poluição. Na altura do Caju, o mar é fétido. O nível de coliformes na área da Ilha do Fundão, de acordo com dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) sobre o monitoramento da água da baía, repassados com frequência ao Comitê Organizador dos Jogos, pode atingir 390 mil, ou 390 vezes o limite estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O total registrado é a média de 2013 (entre janeiro e setembro), que consta do último boletim.

Mas a orla da Zona Sul não escapa aos elementos mais indesejáveis da baía. Ao longo da murada da Urca, saídas de esgoto fazem os atletas taparem o nariz.

— O que me espanta mais é o que está na cara de todo mundo, ali na Praia de Botafogo. Teve um dia em que fui pegar um aluno e a linha da maré estava ocupada por fezes. É nojento — conta o instrutor de caiaque Bruno Fitaroni, que já passou mal devido à poluição da baía. — Uma vez, eu e um amigo num caiaque duplo, ao nos aproximarmos do Porto, vimos um negócio evaporar dessa água laranja. Começamos a ter uma sensação de desmaio e saímos às pressas.

Os que praticam atividades na baía não estão livres de situações insólitas.

— Quando tem chuva forte, a drenagem da cidade carrega o lixo para a baía. Com a maré e o vento, se formam ilhas de lixo flutuante, às vezes profundas. São como se fossem plataformas. Eu mesmo já fiquei preso várias vezes em ilhas de lixo, que agarram no leme — diz Paulo Cordeiro, biólogo e professor de canoa havaiana.

Quem adotou o stand up paddle como atividade de verão — hoje praticado no Flamengo, na Urca e na orla de Niterói — já sabe que, mesmo remando muito, às vezes é impossível achar um trecho mais limpo para dar um mergulho. Números sobre lixo recolhido dão uma ideia do problemão que chega à baía: dez ecobarreiras em saídas de rios retêm cerca de 18 toneladas de detritos por mês, enquanto três ecobarcos, no seu primeiro mês de operação, tiraram 14 toneladas.

— Já teve dia em que não dava para entrar na água. Ver uma privada ou uma cadeira boiando é muito feio — comentava o instrutor de stand up paddle Luiz Rocha, que dá aulas na Praia de Icaraí, enquanto tirava de dentro do mar um pneu.

Risco para velejadores

Para os velejadores, o estado atual da Guanabara é um pesadelo.

— Vai ser a raia mais suja da história olímpica. Espero que isso seja melhorado, mas vamos ganhar o troféu de pior água dos Jogos — afirma Torben Grael, treinador-chefe da seleção brasileira de vela, que, na sua última regata na baía, desviou de um cone de trânsito à deriva.

A Secretaria estadual do Ambiente diz que tecnicamente é possível vencer esse jogo. A meta olímpica de limpar em 80% o espelho d´água prevê uma série de ações, que vão de ecobarreiras em saídas de rios e ecobarcos para recolher o lixo à ampliação das redes coletoras de esgoto e de Unidades de Tratamento de Rio (UTRs). As medidas substituem o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, lançado em 1994, mas que pouco avançou.

Índio da Costa, que assumiu a Secretaria estadual do Ambiente na semana retrasada, ressalta que ainda precisa estudar as fontes de recursos para colocar todos os planos em prática. E eles são muitos. Índio afirma que, de concreto, estão sendo investidos R$ 1,5 bilhão — recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam) — na instalação de redes coletoras pelo Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (Psam). O objetivo é passar de 40% para 60% o percentual de esgoto tratado em volta da baía até 2016.

Para chegar à meta olímpica, Índio destaca que são necessárias cinco UTRs (unidades na foz dos rios, onde retiram 80% de toda a poluição).

— As UTRs não são uma solução definitiva, mas impedem que a poluição vá para o mar até que se acabe de fazer a grande obra de saneamento no entorno da baía. A do Rio Irajá fica pronta em março, e a dos rios Pavuna e Meriti começará a ser construída até abril. Mas são necessárias mais três para atingir esses 80% — diz Índio.

A secretaria vai licitar mais oito ecobarreiras (feitas com PET e cabos de aço) este mês, que se somarão às dez existentes. Outra licitação contratará mais sete ecobarcos. No momento são três circulando.

— O compromisso assumido é limpar 80% do espelho d’água da baía até 2016, mas só com saneamento tradicional não vamos chegar a isso — declarou Carlos Minc, ex-secretário do Ambiente.

Diante da complexidade do problema, chegou-se a cogitar a transferência da disputa da vela para Búzios. O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016 diz que não há chances de mudança. Pelo monitoramento do Inea, as três áreas das raias de competição (cuja base será a Marina da Glória) apresentaram no ano passado resultados satisfatórios, com média de 180 coliformes, enquanto o limite é de mil. Mesmo assim, a poluição que se vê hoje por todo lado pode jogar por terra uma medalha.

— O lixo atrapalha a performance. Já pensou um atleta que treinou oito anos para a competição perder posição porque ficou agarrado num saco plástico? — diz Torben, que, ainda assim, insiste na competição na baía. — Se não for feita alguma coisa pela Baía de Guanabara agora, não vamos ver nada acontecer no tempo de nossas vidas.

Fonte: O Globo


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